terça-feira, 5 de novembro de 2013

REVISTA NOVA ESCOLA: ALFABETIZAÇÃO E TECNOLOGIA

REVISTA NOVA ESCOLA:
ALFABETIZAÇÃO E TECNOLOGIA

Cada vez mais escolas têm computadores e lousas digitais à disposição. Saiba como incluir esses e outros recursos no planejamento de atividades desafiadoras
Lápis e papel. Houve uma época em que esses eram os utensílios disponíveis para escrever, tanto na escola como fora dela. Com o passar do tempo, as máquinas de datilografar, primeiro, e os computadores, depois, foram invadindo os mais diversos ambientes, mas não a sala de aula. Uma pena. Se equipamentos desse tipo fazem parte do dia a dia da maioria das pessoas, que os usam socialmente para redigir, não há porque ignorá-los em atividades de alfabetização. Felizmente, a tendência é que isso mude com a informatização das escolas. Há dez anos, 16% delas tinham computador para uso dos alunos e 12% contavam com acesso à internet - só na opção discada -, conforme dados do Ministério da Educação (MEC). Em 2012, eram 57% com micros para uso didático, 52% deles conectados à rede. O recurso deve chegar a todas as escolas nos próximos anos, razão para que você esteja preparado para usá-lo da melhor forma.

É preciso estar atento, porém, a um ponto: a presença da tecnologia não é garantia de aprendizagem. Não bastam laptops à disposição na sala, por exemplo, se eles só são usados para jogos - esses aplicativos certamente chamam a atenção da meninada, mas poucos proporcionam desafios e reflexões sobre a leitura e a escrita. Mesmo quem não sabe ler e escrever, acredite, pode enfrentar o computador em atividades com foco na alfabetização. Afinal, muitas crianças aprendem as letras em um teclado e todas podem usá-lo para grafar palavras da maneira que sabem, mesmo que não seja convencionalmente.

A argentina Ana Teberosky destaca no livro Contextos de Alfabetização Inicial (176 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 48 reais) que diante do teclado o aluno usa as duas mãos para digitar e, em vez de traçar grafias, deve escolher uma das opções para apertar: estão à disposição dele todas as letras possíveis para compor uma palavra (um conjunto finito com uma disposição diferente da alfabética). As peculiaridades continuam: o computador permite relacionar as letras impressas no teclado com as imagens que aparecem na tela e escolher formatos variados.
Os recursos tecnológicos não são a salvação para o déficit do conhecimento em leitura e escrita, conforme afirma Emilia Ferreiro, psicolinguista argentina radicada no México. Para ela, no entanto, com a ajuda deles ocorrem práticas que levam à alfabetização "que corresponde ao nosso espaço e tempo". No livro O Ingresso na Escrita e nas Culturas do Escrito (488 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3611-9616, 65 reais), ela destaca algumas contribuições das tecnologias para o ensino: deixam mais acessível uma grande diversidade de textos (o que é essencial para alfabetizar), dão mais autonomia ao aluno (já que ele tem à disposição ferramentas que apontam falhas na escrita independentemente das indicações do professor, como corretores ortográficos) e reforçam a ideia de que professores ou livros didáticos não são a única fonte de informação.

"Com o bom uso da tecnologia, aliado aos outros recursos, a criança tem mais uma possibilidade de entrar em contato com os desafios dessa fase", afirma Nanci Folena Pereira Sousa, chefe da Seção de Laboratório e Educação Tecnológica da prefeitura de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo. As possibilidades são muitas. Nas páginas seguintes, apresentamos projetos didáticos e atividade permanente realizados com sucesso na pré-escola e no 1º ano, em que são usados programas como jogos, o Word e o PowerPoint, e equipamentos como a lousa digital e o Datashow, além da internet. Para que a turma cumpra bem os desafios e avance, você verá, o professor deve continuar realizando 
um planejamento cuidadoso e intervenções adequadas a cada momento. Os estudantes, por sua vez, seguem refletindo sobre o sistema de escrita, discutindo com seus pares e pedindo informações ao educador sempre que necessário. Enfim, uma alfabetização adequada aos dias de hoje.

Cada vez mais escolas têm computadores e lousas digitais à disposição. Saiba como incluir esses e outros recursos no planejamento de atividades desafiadoras

Beatriz Santomauro (bsantomauro@fvc.org.br)
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Projeto didático  - Pesquisas em sites confiáveis da internet
A turma aprendeu com a professora como proceder para fazer uma pesquisa na rede
A professora Fabiana Falcão Lopes, da Escola Projeto Vida, na capital paulista, propôs que as crianças de 5 anos elaborassem uma enciclopédia sobre animais ameaçados de extinção. A primeira tarefa era para casa: pesquisar, com a família, sobre algumas espécies. De volta à sala, elas compartilharam as descobertas, mostrando livros ou cópias das páginas da internet. Algumas contaram que os pais escreveram no campo de busca do Google "animais ameaçados de extinção", mas que apareceram muitos resultados. 

Fabiana, então, lançou duas perguntas: "Como fazer para encontrar os bichos que vivem apenas em algum país?" e "Para procurar um bicho específico, o que escrever?". Aos poucos, a turma concluiu que poderia incluir "do Japão" na busca sobre os animais ali encontrados e que digitando "onça" ou "mico-leão" os resultados seriam apenas sobre cada uma dessas espécies. "Assim, levei todos a pensar nos melhores procedimentos de pesquisa", diz Fabiana. Ela discutiu também a importância de selecionar os endereços acessados, mostrando que alguns são mais confiáveis e especializados do que outros. 

Os pequenos escolheram os animais que tinham interesse em pesquisar: macaco-barrigudo, macaco-aranha, tartaruga-gigante, urso panda e rinoceronte. Combinaram focar o estudo em peso, altura, características físicas, hábitat, causa da extinção e reprodução para compor uma ficha técnica e o texto da enciclopédia. Todos foram para o computador da sala e ficaram ao redor da professora. Fabiana mostrava sua experiência como usuária do equipamento -- com o mouse e o teclado - e em procedimentos de pesquisa. "O professor deve apresentar quais sites serão consultados e ler para os pequenos. Na pré-escola, eles ainda não têm autonomia para realizar esse trabalho sozinhos e precisam de muitas orientações", afirma Débora Rana, coordenadora pedagógica de Educação Infantil da escola. 

"Diante da tela, mesmo sem saber ler, eles encontravam os dados se apoiando em números, imagens e palavras que conhecem. Por exemplo, quando identificavam a grafia de ‘peso’ seguida de um número sabiam que aquilo significava o peso do animal." A educadora imprimiu as páginas com informações úteis sobre os cinco animais e leu o material em voz alta, marcando os dados mais importantes, indicados pela turma. 

Em seguida, a professora dividiu a criançada em pequenos grupos de forma que seus integrantes tivessem conhecimentos variados. Ela circulava pela sala para orientar a turma sobre o que e como escrever, fazendo intervenções pontuais. "Eu ajudava: as informações técnicas não precisam ser decoradas. Às vezes, é necessário recorrer à fonte de pesquisa e relembrar o que foi visto. Vamos pegar o material e ver se o dado que procuramos foi sublinhado", diz. A primeira versão do texto foi revisada e ilustrada e compôs a publicação impressa com os 20 bichos pesquisados por todas as turmas da pré-escola.
Atividade permanente - Na lousa digital e no Excel, jogos desafiadores
Os alunos preencheram cruzadinhas com o nome dos colegas cujas fotos apareciam na tela
Camila Pazin coordena a sala de informática da EMEB Escritor Julio Atlas, em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo. "Eu e as professoras regentes fazemos um planejamento conjunto de acordo com as necessidades dos alunos do 1º ao 5º ano e os conteúdos que precisam ser trabalhados", explica. Para a sala de Eliana Holanda, do 1º ano, Camila propôs atividades permanentes de exploração dos nomes próprios. Entre as práticas que desenvolviam a leitura, uma tinha como objetivo ligar a foto de alguns alunos da sala ao seu nome usando o mouse. Noutra, o desafio consistia em identificar com uma cor, entre três nomes, o que correspondia à criança mostrada na foto.

Outras duas exploravam a escrita. Na primeira, a turma tinha de desembaralhar as letras dos nomes dos amigos usando o mouse. A segunda eram cruzadinhas, preenchidas ao digitar no teclado o nome dos colegas cujas fotos apareciam diante dos quadradinhos. "Quem ainda não tem domínio da escrita consegue fazer a tarefa usando as letras de alguns dos nomes para preencher outros ou pesquisando no cartaz da sala", diz Eliana. "A todo momento, os alunos precisam repensar o que fizeram", completa Camila.

"Usando o computador, os estudantes não perdem tempo com o que não é necessário. Não precisam apagar, rasurar ou sujar a folha e sobra mais tempo para pensar na escrita, que é o que importa", diz Nanci, da Seção de Laboratório e Educação Tecnológica de São Bernardo do Campo.

Já em Petrópolis, a 72 quilômetros do Rio de Janeiro, uma atividade permanente usando a lousa digital e seus aplicativos desafia o 1º ano de Ana Gabriela Saar Corrêa, da Escola Sesi. Ela montou um jogo da memória com personagens de histórias lidas pela turma. Nas duplas de cartas, "Penadinho" e "fantasma", por exemplo. "A ideia é que as crianças tentem ler palavras de um mesmo campo semântico. Essa característica facilita a antecipação do que pode estar escrito", explica.

Quando elas têm dúvidas, a professora chama a atenção para quais são a primeira e a última letras, dando mais elementos para a leitura. O jogo denuncia os erros - desvirando a carta escolhida, que fica disponível para uma próxima jogada. Para participar, uma dupla por vez vai até a lousa e toca na tela elegendo as cartas que considera as corretas até completar a partida. "Eu monto partidas com seis ou 12 pares de cartas para que haja diferentes níveis de complexidade", diz.
Projeto didático - PowerPoint funciona como apoio para seminários
As duplas escolheram fotos e escreveram legendas nos slides de apoio à apresentação
Observar o ateliê de artistas plásticos para conhecer os materiais utilizados e as obras produzidas por eles. Esse foi o foco do trabalho proposto pela professora Marcia Ferreira, da Escola Viva, na capital paulista, à turma de 1º ano. A sala foi dividida em dois grupos e cada um entrevistou um profissional. Para isso, todos contavam com um roteiro de questões preparado em conjunto pela sala anteriormente. Marcia e sua assistente, Camila Sampaio Lacerda Ferraz, ficaram responsáveis por fotografar os encontros. De volta à escola, uma equipe tinha de contar à outra o que tinha visto. Os registros das visitas, em forma de desenhos e textos, foram importantes numa etapa seguinte. "Como nem todas escreviam convencionalmente, eu atuava como escriba em alguns momentos e, em outros, eu só orientava ou tirava dúvidas", diz Marcia.

O próximo passo foi mostrar aos estudantes as fotos feitas e pedir que selecionassem as que melhor resumiam as visitas. Cada imagem foi legendada, em duplas, e ocupou um slide de um arquivo de PowerPoint. Esse momento gerou um desafio diferente se comparado ao que teria ocorrido se a tarefa tivesse sido feita no papel. "Quando as crianças escrevem no computador, percebem mais facilmente alguns pontos que precisam ser modificados, como a aglutinação das palavras ou a troca de letras", indica Dami Cunha, formadora do Instituto Avisa Lá e coordenadora pedagógica da Escola Santi, em São Paulo.

O material foi projetado em um telão, com a ajuda do Datashow, como apoio a uma apresentação oral. Uma dupla por vez falou aos colegas contando sua experiência nos ateliês. "Para evitar duplicidade de informações e garantir uma lógica na sequência das falas, nós compartilhamos no grupo os dados que seriam apresentados pelas duplas", explica Marcia.

As educadoras orientavam as duplas: "Se vocês forem descrever o material utilizado pelo artista, melhor mostrarmos a foto dos pincéis, não acham?" ou "Lembrem-se de que na hora de separar as palavras é preciso apertar a tecla do espaço no teclado" e "Prestem atenção nessa palavra. Com que letra ela termina?". Quando as crianças não tinham ideias sobre o que escrever ou precisavam completar alguma informação, retomavam os desenhos e os textos feitos logo após a visita. Como resultado, palavras nem sempre escritas de modo convencional (o que era esperado), mas textos sensíveis e com mensagens consistentes.

Concluída essa etapa do trabalho, chegou a hora de compartilhar as informações com todo o grupo. Diante da sala, as duplas se revezavam para falar aos colegas sobre o que tinham visto. "Essa foi uma das primeiras atividades delas no uso do computador, no registro de uma experiência e na apresentação oral. Um desafio grande, mas possível, em todas as etapas", diz Fabiana.
Desde fevereiro, a turma de 1º ano da professora Miruna Genoino, da Escola da Vila, em São Paulo, realiza propostas de leitura e escrita no notebook, como listar as brincadeiras conhecidas. No início do segundo semestre, já estava preparada para uma tarefa mais complexa: reescreverChapeuzinho Vermelho usando o teclado. Para que as crianças aprendessem como se faz uma reescrita, a primeira metade da história foi produzida coletivamente: elas ditavam e a professora digitava no computador, usando o Word. O texto era projetado em um telão por meio do Datashow para que todos acompanhassem. 

Para completar o texto, a educadora formou duplas de acordo com as hipóteses de escrita. Os alunos se revezavam nas tarefas de ditar e digitar no PowerPoint utilizando o modo de apresentação - quando a tela fica em branco. Andréa Luize, coordenadora do Núcleo de Práticas de Linguagem da Escola da Vila, chama a atenção para o benefício do uso do computador em atividades como essa: "O texto digitado não depende do traçado de cada um, facilitando compreender o que está escrito. Além disso, é mais simples para duas crianças visualizá-lo juntas, na tela". 

Terminada a primeira versão do texto, os estudantes a imprimiram e anotaram no papel os ajustes necessários, de acordo com os focos de revisão pré-combinados. Além de garantir que os fatos essenciais estivessem citados e que o nome dos personagens Chapeuzinho, Lobo Mau e Caçador estivessem escritos convencionalmente, deveriam prestar atenção na repetição das palavras. "Eles não estão preparados para enxergar todos os erros. É importante selecionar os pontos que devem receber mais atenção", diz Andréa. 

Miruna escolheu algumas produções e as projetou no telão para discutir a forma de escrever os termos que tinham gerado mais dúvidas ou divergências na escrita. Olhando maneiras diferentes de grafar uma mesma palavra, todos conversavam para chegar à melhor solução. Em seguida, as duplas voltaram a se reunir para decidir as mudanças necessárias em seu texto. Feito isso, foram corrigir a versão no computador. Para tanto, reviram os registros nos papéis, procuraram o trecho correspondente e fizeram os ajustes usando os recursos adequados para isso - as setas do teclado e o mouse - sem precisar apagar e reescrever. "Muitas crianças não conseguem inserir todas as mudanças. Por isso, sempre é necessário acompanhar essa etapa e conferir", conta Miruna. O resultado do trabalho foi impresso em formato de livro e entregue às turmas de 5 anos da pré-escola para que pudessem manusear, além de ouvir a leitura feita pelo professor.
Revista época 2011


2011
Poucos segundos depois de bater o sinal que anunciava o início da aula de ciências, os alunos do 6º ano começaram a entrar na classe da professora Leika Procopiak, cada um carregando seu próprio laptop, trazido de casa. Ao se acomodar nas mesas, nenhum deles tirou da mochila um caderno ou um livro. Abriram seus computadores, conectaram-se à internet (sem fio e de alta velocidade) e estavam prontos para aprender a lição do dia: fotossíntese. “Cada dupla decide quais das atividades fará hoje”, disse ela, no início da aula.
Sem usar a lousa e movimentando-se pela sala, Leika passou os 80 minutos seguintes orientando pesquisas em bancos internacionais de dados on-line sobre fontes de energia. Ajudou a fazer simulações gráficas de como variações da luz e da temperatura podem afetar o resultado da fotossíntese. Corrigiu exercícios propostos a partir de vídeos a que os alunos assistiram em sites especializados na web. Depois, cada dupla de alunos produziu um relatório, compartilhado com os colegas e com a professora pelo serviço de arquivos on-line Google Docs. O sinal marcando o fim da aula bateu e nenhum caderno saíra das mochilas.
Essa aula aconteceu na Graded School, uma das melhores escolas de São Paulo. É o tipo de atividade com que sonham pais deslumbrados com a parafernália tecnológica que atualmente é alardeada por colégios particulares. Escolas que muitas vezes cobram mensalidades mais altas por isso. Há mais de 25 anos tenta-se comprovar a eficácia do uso da tecnologia no ensino. Mas depois de tanto tempo, e de tanto marketing, ainda resta a pergunta: usar tecnologia para ensinar faz os alunos aprender mais?
A resposta é sim. Dois estudos inéditos demonstram como a tecnologia ajudou a melhorar as notas de alunos da rede pública. A Fundação Carlos Chagas (FCC) acaba de concluir uma avaliação dos alunos de todas as escolas públicas do município de José de Freitas, no interior do Piauí, que desde o início de 2009 estudam com o apoio de lousas interativas, laptops individuais e softwares educativos. De acordo com o estudo, esses alunos melhoraram sua média de matemática em 8,3 pontos, enquanto os que não usaram a tecnologia avançaram apenas 0,2 ponto. O segundo estudo, da Unesco, braço das Nações Unidas para a educação, avaliou o desempenho de alunos de escolas públicas de Hortolândia, em São Paulo, que usaram salas de aula com lousa digital e um computador por aluno. O avanço foi de duas a sete vezes em relação aos colegas em salas de aula comuns.
O sucesso, porém, depende de como a tecnologia é usada. Não adianta trocar o caderno por notebook ou tablet sem ter estratégias e conteúdo para usá-los. Isso ficou claro em alguns fracassos no uso dos computadores. O Banco Mundial divulgou, no fim do ano passado, a avaliação de um programa do governo colombiano que distribuiu máquinas para 2 milhões de alunos. O impacto nas notas de espanhol e matemática foi próximo de zero. Em alguns casos, as notas até pioram depois da chegada dos aparelhos. Em 2007, uma pesquisa do Ministério da Educação do Brasil mostrou que alunos que estudaram, por três anos, em escolas com computador estavam pelo menos seis meses atrasados no aprendizado em relação aos outros. Em ambos os casos, os pesquisadores se limitaram a contar se havia computador na escola. Não avaliaram se as máquinas eram usadas para dar algum conteúdo, além dos cursos de processadores de texto e planilhas.
É por isso que, nos países mais adiantados na implantação de tecnologia, a discussão hoje é como usar a tecnologia da melhor forma. Nos países ricos, a questão do acesso às máquinas foi superada. Cerca de 97% da rede pública americana tem um computador por aluno. Na Alemanha, mais de 30 mil escolas estão equipadas desde 2001. Mas, depois de tanto tempo usando computador na sala de aula, as estatísticas de aprendizado nacionais não melhoraram significativamente. A pergunta é como usar a tecnologia de um jeito diferente. A Inglaterra criou um departamento só para pesquisar e avaliar o uso inovador da tecnologia em sala de aula. Na Coreia do Sul, o governo percebeu que, sem um conteúdo curricular fortemente relacionado à tecnologia, ela teria pouco efeito. Começou a produzir novos materiais didáticos para os computadores. “Ainda tendemos a conceber o papel da tecnologia como algo a que basta o aluno ter acesso que as coisas vão melhorar”, afirma o americano Mark Weston, estrategista educacional da fábrica de computadores Dell. “Essa era a ideia há 30 anos, mas agora sabemos que também é preciso ter boas práticas de ensino.” (Leia a entrevista com Weston)A seguir, cinco práticas que ajudam a tecnologia a ensinar.

1. Saber para que usar a tecnologia
A tecnologia precisa ser usada com um propósito. A professora Leika, da Graded School, planejou a aula descrita no começo desta reportagem porque queria que os alunos aprendessem na prática a teoria que ela tinha ensinado, do jeito tradicional, na aula anterior. “Planejei em casa e pesquisei as melhores fontes para que isso acontecesse”, diz. Na sala de aula, quem domina a estratégia é o professor, mas também é decisão da escola, ou até de uma rede inteira, como usar determinada tecnologia. 

Em segundo lugar, o conteúdo tecnológico deve ser complementar ao transmitido da forma tradicional. “Não adianta dar para o aluno ler no computador o mesmo texto que ele leria no livro didático ou na apostila. Isso não o fará aprender mais ou melhor”, afirma Marcos Telles, diretor da Dynamic Lab, uma empresa de tecnologia de educação. 

Essa integração entre a tecnologia e o conteúdo das aulas é o maior desafio das escolas. As escolas municipais de Matinhos, no Paraná, tinham uma demanda específica: melhorar as notas de português e matemática de todos os 3 mil alunos da rede, com equidade. Foram atrás de um software educacional feito sob medida para isso. No computador, o aluno faz atividades interativas e evolui para as mais difíceis, de acordo com seu ritmo de aprendizado. “Alunos aprendem de jeitos diferentes e, no ensino tradicional, os que estão para trás acabam fadados ao fracasso por não receber acompanhamento adequado”, afirma Betina von Staa, pesquisadora da Positivo Informática, que faz os softwares educativos. Marcos Vinicyus de Oliveira, de 7 anos, poderia ter sido um deles. Em 2010, estava no 2º ano e ainda não conseguia ler nem cumprir tarefas mais simples, como copiar a lição da lousa. “Agora consigo juntar as letras no computador”, diz. Marcos aprendeu a ler e a escrever depois de começar a usar o programa.

PROJETO 
Alunos do 6º ano do COC Vila Yara, em Osasco, numa aula de robótica. Eles aprendem habilidades como trabalhar em grupo e dividir tarefas
2. Transformar o jeito de dar aula
Para usar qualquer tecnologia, da câmera digital ao computador, é preciso abandonar a geografia tradicional da sala de aula, aquela que coloca o professor na frente do quadro e os alunos enfileirados anotando tudo. Uma das tecnologias mais antigas em prática nas escolas brasileiras e que dá certo é a robótica. Ela reforça a ideia de ensinar de forma diferente: são aulas em que os alunos, sempre em grupo, precisam executar um projeto: programar e montar um robô. “Aprendi a trabalhar em equipe e a prestar atenção em pequenos detalhes”, diz César Henrique Braga. Ele acabara de terminar seu primeiro robô, um jipe lunar, com outros três colegas do 6º ano do colégio COC Vila Yara, em Osasco, São Paulo. “O aluno precisa aprender a usar o conhecimento para criar”, diz Paulo Blikstein, professor da Escola de Educação da Universidade Stanford. 

Blikstein ensina professores da rede pública dos Estados Unidos a ensinar em ambientes com tecnologia. Para ele, a vocação da tecnologia é ajudar no ensino por projetos. Essa estratégia parte dos conteúdos do currículo tradicional, como escrita e matemática, para desafiar os alunos a executar tarefas criativas, como fazer um filme. E essas habilidades dificilmente são ensinadas nas aulas tradicionais.

3. Mudar a relação entre professor e aluno
Segundo Blikstein, um dos maiores desafios na hora de usar tecnologia é mudar a prática e a mentalidade dos professores. Isso aconteceu no início do projeto em Hortolândia, estudado pela Unesco. Ele foi elaborado e executado por especialistas em educação da fabricante de computadores Dell e da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. O objetivo era melhorar o aprendizado de português e matemática de 5.500 alunos do 6º e 7º ano do ensino fundamental e 1º e 2º ano do ensino médio, de 23 escolas estaduais. As salas de aula ganharam um computador por aluno e lousa digital, com material didático digital desenvolvido por educadores da Universidade de São Paulo (USP). 

Foi preciso um ajuste de cara. As aulas não estavam durando o tempo planejado. O material fora criado para aulas de 50 minutos. Mas elas acabavam em apenas 20. Isso porque os professores usavam a lousa digital como se fosse um quadro-negro tradicional. “Eles não davam espaço para os alunos interagirem com a lousa”, diz Ricardo Menezes, diretor da área de educação da Dell para o Brasil. 

A prática do professor também está ligada a sua relação com o aluno e a seu domínio sobre a classe. A concentração dos alunos na aula é um dos fatores mais determinantes para que eles de fato aprendam. Várias pesquisas e estudos já foram feitos sobre isso, mas não existe uma fórmula mágica que garanta que garotos se interessem mais por cálculos de raiz quadrada do que por bater papo com um colega. Mas alguns especialistas dizem e pesquisas demonstram que, usada da maneira correta, a tecnologia pode sim ajudar a prender a atenção. “Como é uma linguagem que o aluno conhece, o professor se aproxima com mais facilidade”, diz Maria Elizabeth Almeida, professora do programa de pós-graduação em educação curricular da PUC de São Paulo.

4. Formar e treinar os professores
No Brasil e no mundo, a maioria dos professores ainda não consegue justificar o uso da tecnologia na classe. “Eles não têm a formação adequada para isso”, diz Weston, da Dell. Não por acaso, o projeto de Hortolândia foi executado pela Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo. “Não adianta colocar tecnologia na escola sem dar a formação adequada aos professores”, diz Vera Cabral, diretora da escola. O próximo passo é levar o projeto para toda a rede e treinar professores em grande escala.
Há duas maneiras de fazer a formação dos professores. A primeira é colocar os formadores, monitores especializados na tecnologia e no conteúdo, dentro das salas de aula, como fez um projeto conjunto do Estado do Piauí, do município de José de Freitas, e da Positivo. Francisca das Chagas Lopes da Silva dá aula no 4º ano de uma escola estadual da cidade. Formada em pedagogia, ela não sabia como fazer o planejamento diário de suas aulas, nem aprendeu na faculdade a avaliar seus alunos de outra forma a não ser as tradicionais provas bimestrais. Ao participar do projeto, Francisca passou a dar aulas acompanhada por monitores. O planejamento das atividades fazia parte do treinamento, assim como fazer o registro de tudo o que acontecia em classe para avaliar melhor o desenvolvimento dos alunos. “Aprendi a ensinar usando a tecnologia, mas também aprendi a planejar. Se eu for planejar uma aula qualquer, do jeito tradicional, farei isso melhor do que antes”, diz. 

A segunda estratégia para formar os professores é mais comum nas escolas particulares. Ali, a formação acontece mais por iniciativa de cada professor do que em cursos oferecidos pelos gestores. No Beit Yaacov, colégio particular de São Paulo, a estratégia adotada foi deixar a cargo dos professores quando e qual tecnologia usar. Os profissionais são estimulados a pesquisar por conta própria novas tecnologias e as maneiras de usá-las, inclusive no ensino infantil. A partir da experiência de cada um, o que dá certo é adotado pelo resto da escola e o que deu errado é aperfeiçoado. “Sem o envolvimento de todos os professores, não há como criar e fortalecer uma cultura digital dentro da escola”, afirma Silvana Del Vecchio, coordenadora de tecnologia do colégio.


5. Reformar a cultura da escola
CULTURA 
Alunos da escola pública americana Quest to Learn durante uma aula. Eles aprendem programando games

Nem a tecnologia mais avançada conseguiu ainda o feito de mudar a cultura escolar. Mas uma escola pública de Nova York resolveu tentar. A Quest to Learn foi criada pela designer de games Katie Salen, que escreveu vários livros sobre o uso de jogos na educação. Os alunos aprendem o conteúdo curricular criando e jogando videogames. Em funcionamento há um ano e meio, a escola foi moldada sob conceitos muito diferentes: os alunos não passam de ano, mas de fase – como nos jogos –, e não ganham notas, mas classificações de acordo com sua habilidade. “Acreditamos que aprender a programar e a lidar com mídias serão habilidades centrais para que os jovens se expressem e sejam competitivos ao entrar na universidade e no mercado de trabalho”, diz Katie. 

A cultura do ensino pela tecnologia está na prática diária dos professores da Quest to Learn. “Eles são treinados para criar experiências nas quais os alunos possam aprender fazendo, tentar soluções e dividir o conhecimento”, diz Katie. Até agora, os alunos da escola não mostraram notas melhores nos testes tradicionais, que não medem as tais “habilidades do futuro”. Se derem certo, porém, experiências como essa podem e devem ser usadas como alternativas para melhorar o ensino para todos.

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